Prêmio Mulheres na Ciência 2021
As memórias das experiências vividas no meio do campo, dos verões quepassou junto com a família em uma fazenda de seus tios, na Argentina, despertaram em Maria José Hötzel o interesse pelos animais ainda na infância. Do início da graduação em Medicina Veterinária ao posto de pesquisadora mundialmente reconhecida na área do bem-estar animal, Maria edificou uma carreira exemplar e agora acrescenta ao currículo o Prêmio Mulheres na Ciência 2021, concedido pela Pró-Reitoria de Pesquisa (Propesq) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
A homenagem tem como objetivo estimular, valorizar e dar visibilidade às mulheres da UFSC que fazem pesquisas científicas, tecnológicas e inovadoras, inspirando a comunidade científica interna e externa nas diferentes áreas do conhecimento e contribuindo para diminuir a assimetria de gênero na ciência. Docente do Departamento de Zootecnia e Desenvolvimento Rural, vinculado ao Centro de Ciências Agrárias (CCA), Maria sagrou-se vencedora na área de conhecimento Ciências da Vida, na Categoria Plena, voltada a pesquisadoras que ingressaram no quadro permanente da Universidade entre 31 de dezembro de 2000 e 31 de dezembro de 2013.
Nascida em Buenos Aires, Maria José Hötzel viveu parte da infância no Rio de Janeiro (RJ) e na capital argentina até se estabelecer com a família em Porto Alegre (RS), aos 12 anos. Cursou Medicina Veterinária na graduação e concluiu o mestrado em Ciências Veterinárias pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Obteve o título de PhD pela University of Western Australia, experiência que compartilhou com o marido, o professor Ricardo Ruther, do Departamento de Engenharia Civil da UFSC. “As pessoas que nos conheciam acharam meio exótico a gente ir para a Austrália, um país que poucos conheciam na época. Eu tive muita sorte com o orientador, o tema da tese, o grupo de pesquisa, a universidade e a cidade. Tive uma excelente formação e foram quatro anos muito bons do ponto de vista pessoal”, recorda a professora.
A trajetória acadêmica
Ao retornar para o Brasil, a pesquisadora conquistou uma bolsa recém-doutor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em 1997, e logo se interessou pelo comportamento animal, passando a acompanhar e participar das pesquisas do Laboratório de Etologia Aplicada e Bem-Estar Animal (Leta), onde atualmente é co-coordenadora. Desde então, Maria Hötzel seguiu na UFSC, primeiro como pós-doc, depois como professora substituta, pesquisadora visitante do CNPq e professora visitante. Em 2006, conquistou o primeiro lugar em um concurso público realizado para vaga de docência no Departamento.
Maria José desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão e tem seu trabalho direcionado ao desenvolvimento de agroecossistemas sustentáveis, por meio da compreensão e melhoria do bem-estar dos animais, considerando as várias implicações éticas, ambientais, sociais e econômicas das práticas e dos sistemas de criação e da produção animal. Tem experiência com pesquisas em laboratório controlado e estudos na fazenda em diferentes espécies, bem como as atitudes dos cidadãos e das partes interessadas em relação às práticas e sistemas de produção pecuária.
Alguns de seus projetos recentes envolveram explorar as atitudes de agricultores e partes interessadas da cadeia produtiva animal sobre bem-estar animal, uso de antibióticos, One Health e One Welfare. Outros trabalhos de destaque e que mostram a variedade dos temas pesquisados pela professora estão relacionados com pesquisas sobre os temas antropomorfismo, sistemas de gaiolas de maternidade de porcas, edição gênica e naturalidade nos sistemas de criação de frangos de corte, todos relacionados ao bem-estar dos animais.
A professora Maria José é bolsista de Produtividade em Pesquisa 1A do CNPq. Na última década, a maior parte da sua pesquisa envolveu supervisão de alunos de graduação e no Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas da UFSC, além de programas colaborativos com pesquisadores nacionais e internacionais, de universidades e instituições de pesquisa no Canadá, Uruguai, Austrália, Chile e Suécia. Paralelamente às atividades acadêmicas, participa de sociedades científicas como membro e secretária-regional e como revisora e editora associada de revistas científicas nacionais e internacionais.
Os indicadores acadêmicos demonstram a consolidação da trajetória profissional da professora. Ao todo, são 126 artigos científicos publicados em periódicos, 5 livros publicados, 12 capítulos de livros, 39 orientações de mestrado e 9 de doutorado concluídas, 1.617 citações no Web of Science, 3.438 citações no Google Scholar e 158 resumos em conferências e congressos. Recentemente uma pesquisa bibliométrica publicada na revista Animals identificou Maria José Hötzel entre os autores com o maior número de publicações sobre bem-estar animal no mundo. O levantamento examinou a produção sobre o tema no popular banco de dados Web of Science.
Conciliação entre carreira e maternidade
O professor Luiz Carlos Pinheiro Machado Filho, docente titular da UFSC e também coordenador do LETA, destaca a inteligência e dedicação da colega. Ele ressalta o merecido reconhecimento com o Prêmio Mulheres na Ciência e a capacidade de conciliação da homenageada entre sua vida profissional e a maternidade. “Cientista brilhante, orientadora exemplar, professora competente, uma produtividade muito acima da média, coerente e ética em seu trabalho acadêmico, não tenho dúvidas de que Maria é merecedora de reconhecimento, como aliás tem tido. Entretanto, é preciso dizer que Maria não é apenas uma grande cientista, mas é também mulher em toda sua plenitude. Junto com seu marido Ricardo, também destacado cientista da UFSC, criou muito bem suas três lindas filhas e conseguiu compatibilizar a maternidade com uma carreira acadêmica de excelência”, escreveu Luiz Carlos na candidatura da professora ao prêmio.
Maria José Hötzel concluiu o doutorado com uma filha recém-nascida, em 1995, iniciou sua bolsa de recém-doutora grávida, em 1997, e ainda teve uma terceira filha, em 2004, quando era professora visitante na UFSC. “No início foi um pouco caótico, mas eu me lembro mais dos momentos bons. (…) A minha segunda filha tinha apenas um mês de vida – e a mais velha tinha acabado de fazer dois anos – quando comecei a dar aulas em duas disciplinas na UFSC, como bolsista recém-doutor. As bolsas do CNPq não tinham licença maternidade e o fato de eu preparar e dar aulas enquanto amamentava um bebê recém-nascido foi considerado muito normal”, recorda a professora.
A pesquisadora revela que ao longo de sua trajetória na Universidade, até ingressar por concurso em 2006, o Departamento onde atuava tinha apenas uma docente mulher. Segundo ela, em uma época em que as pautas de gênero ainda não existiam, os reitores, diretores de Centro, chefes de Departamento e coordenadores eram todos homens. Por isso, Maria José salienta a importância do reconhecimento como mulher cientista. “Me sinto honrada e muito feliz com a premiação, pois temos muitas mulheres na UFSC que se destacam e precisamos mostrar isso para a comunidade. As iniciativas que contribuem para dar visibilidade às mulheres e a questões de gênero no ambiente acadêmico abrem as portas para compartilhar experiências e demandas. E também são importantes para incentivar as nossas estudantes e professoras”, avalia.
A professora premiada, por fim, ressaltou que toda sua formação acadêmica ocorreu em universidades federais e com bolsas de financiamento de pesquisa. Ela destaca que muitas pessoas são importantes em seu percurso, especialmente os colegas de laboratório e estudantes, e finaliza com um agradecimento especial: “Eu gostaria de fazer uma menção especial às muitas mulheres que deram apoio à nossa família apoiando nas tarefas domésticas, na educação e nos cuidados das meninas; elas foram fundamentais para eu conseguir conciliar carreira e família. A pandemia revelou a importância das pessoas, na sua maioria mulheres, que através do seu trabalho dão o apoio essencial ao dia a dia de todas as atividades”.
Maykon Oliveira/Jornalista da Agecom/UFSC, 19/11/2021